ALGUMAS ANOTAÇÕES SOBRE O FILME FLORES RARAS




Não quero falar da história, é só procurar na internet. Desejo falar das personagens Elisabeth Bishop (poeta americana vencedora do Prêmio Pulitzer em 1956) e Lota de Macedo Soares (arquiteta carioca que idealizou e supervisionou a construção do Parque do Flamengo), que foram duas personalidades que romperam com a imagem da mulher dos anos 50 e 60 do século XX. Outra consideração, refiro-me ao filme e não a História delas.

Apesar deste ponto comum em relação delas estarem à frente de seu tempo, eram diferentes. Enquanto Elisabeth Bishop se assumia como pessimista, “porra louca” e alcoolista, Lota se fazia forte, “comandando” a relação e seu trabalho. Mas, na verdade, ambas eram delicadas. Elisabeth ao se mostrar talvez soubesse lidar melhor com suas fraquezas e o lado sombrio que todos nós temos, já Lota com seu comportamento rígido e de controlador ao ser derrotada pelas circunstâncias se abateu muito, suicidando-se.  Elisabeth Bishop faleceu anos depois devido ao aneurisma cerebral. Aí, lembrei-me de ter ouvido em algum lugar que geralmente os indivíduos que se fazem de fortes, escondem muita fragilidade.

Por isso, que admirei o trabalho da Glória Pires, não por ser uma atriz brasileira, mas pelo fato de interpretar em inglês e passar de jeito minimalista os conflitos da personagem Lota. A atriz australiana Miranda Otto desempenho muito bem seu papel, porém, em minha opinião que pode ser de leigo, Glória Pires ficou com o nível de dificuldade maior e deu seu recado muito bem.

Também, achei Lota contraditória e gosto de personagens assim. Ela era homossexual, porém  apoiou o golpe militar de 64. Em alguns aspectos era de vanguarda como no trabalho de arquiteta,  na sua vida sexual, todavia, na política era ultraconservadora. Morria de medo que o Brasil fosse dominado por comunistas era amiga de CarlosLacerda, um jornalista e político brasileiro. Foi membro da União Democrática Nacional (UDN), vereador (1945), deputado federal (1947–55) e governador do estado da Guanabara (1960–65). Fundador em 1949 e proprietário do jornal Tribuna da  Imprensa e criador, em 1965, da editora Nova Fronteira.

 Fiz uma comparação com a realidade e, realmente, como somos contraditórios. Maduros para um assunto, crianças birrentas para outro, liberal e conservador ao mesmo tempo. Enfim, somos dialéticos constantemente.

Por isso, interessei-me mais pela personagem da Lota para escrever essa crônica. Entretanto, Bishop no final filme me ensinou muito com o poema  sobre a necessidade de se aprender a perder. Terminei por aqui, não deixem de ler:

Uma Arte

A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.

(Elizabeth Bishop; tradução de Paulo Henriques Brito)


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