Preciosidade, conto de Clarice Lispector
Narra
a história de uma adolescente comum, que apesar de seu cotidiano de estudante,
possuía algo intocado e misterioso, tornando-a preciosa:
“De
manhã cedo era sempre a mesma coisa renovada: acordar. O que era vagaroso,
desdobrado, vasto. Vastamente ela abria os olhos.
Tinha
quinze anos e não era bonita. Mas por dentro da magreza, a vastidão quase
majestosa em que se movia como dentro de uma meditação. E dentro da
nebulosidade algo precioso. Que não se espreguiçava, não se comprometia, não se
contaminava. Que era intenso com uma jóia. Ela.”
A jovem de quinze anos não queria ser
observada, desejava manter sua preciosidade intacta, inclusive dos olhares
masculinos. É a princesa de seu mundo interior, apesar das transformações de
seu corpo que gritava nela, deixando-a desajeitada. Sentia-se feia, apesar de
ser valiosa.
Um
dia, quando saiu para ir à escola algo aconteceu. Dois rapazes a agarraram:
" (..) foram quatro mãos
que não sabiam o que queriam, quatro mãos erradas de quem não tinha a vocação, quatro
mãos que a tocaram tão inesperadamente que ela fez a coisa mais certa que
poderia ter feito no mundo dos movimentos: ficou paralisada,"
Este
acontecimento inusitado provocou-lhe uma revelação:
“Estou sozinha no mundo! Nunca
ninguém vai me ajudar, nunca ninguém vai me amar! Estou sozinha no mundo!”
Na
verdade, percebeu-se que não era mais uma menina e que já estava crescida. Portanto
deveria ser comportar com uma mulher.
Os contos de Clarice sempre mergulham no interior da individualidade de seus personagens. Esse conto diz tanta coisa.
Quem, quando adolescente, não se achou
precioso ou preciosa e depois com as pancadas da vida, viu-se adulto e sozinho
para resolver os problemas.
Os
rapazes que a agarraram fizeram rachar o ovo em que ela estava e, agora,
precisava alçar voo, mesmo que fosse árduo e dolorido.
Quando
se torna adulto, nosso castelo de areia se esvai e precisamos sobreviver ao
mundo, que muitas vezes é hostil.
***
O
conto pertence ao livro Laços de Família
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