A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER



A Insustentável Leveza do Ser é um livro lançado em 1984 por Milan Kundera. O romance se passa na cidade de Praga em 1968. Ao término do livro, fiquei a digerir a histórias e as questões filosóficas que abordou. Agora, tentarei pontuar alguns pontos que assimilei. Para compreensão da trajetória dos personagens, precisam-se entender os contextos filosóficos em que se baseiam as narrativas.

O conceito de eterno retorno de Nietzsche:me “O eterno retorno é uma ideia misteriosa e, com ela, Nietzsche pôs muitos filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir como foi vivido e que tal repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato? […] Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um núro infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Essa ideia é atroz. No mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma responsabilidade insustentável. É isso que levava Nietzsche a dizer que a ideia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht).”

Se este processo cíclico acontecesse, o ser humano teria mais consciência de seus atos e os fatos histórias não iria se diluir ao esquecimento. Por exemplo, o narrador cita um episódio quando viu uma foto de Hitler bebê: “Não há muito, eu próprio me defrontei com o fato: parece incrível mas, ao folhear um livro sobre Hitler, comovi-me com algumas das suas fotografias; faziam-me lembrar a minha infância passada durante a guerra; diversas pessoas da minha família morreram nos campos de concentração dos nazistas, mas o que eram essas mortes comparadas com uma fotografia de Hitler que me fazia lembrar um tempo perdido da minha vida, um tempo que nunca mais há-de voltar? Esta minha reconciliação com Hitler deixa entrever a profunda perversão inerente ao mundo fundado essencialmente sobre a inexistência de retorno, porque nesse mundo tudo se encontra previamente perdoado e tudo é, portanto, cinicamente permitido.”

 Nesta passagem, evidencia-se que os episódios fluem com velocidade e leveza, provocando o esquecimento da sensação do momento histórico. Então, surge outra ideia que é fundamental para entender o romance: a leveza e o peso. “Se cada segundo da nossa vida tiver de se repetir um número infinito de vezes, ficamos pregados à eternidade como Jesus Cristo à cruz. Que idéia atroz! No mundo do eterno retorno, todos os gestos têm o peso de uma insustentável responsabilidade. Era o que fazia Nietzsche dizer que a idéia do eterno retorno é o fardo mais pesado (das schwerste Gewicht). Se o eterno retorno é o fardo mais pesado, então, sobre tal pano de fundo, as nossas vidas podem recortar-se em toda a sua esplêndida leveza. Mas, na verdade, será o peso atroz e a leveza bela?”. Realmente, esta pergunta faz pensar bastante, pois, muitas vezes, o peso não é somente um fardo, pode ser nossa salvação ou identidade. Em quanto à leveza em demasia pode ser insuportável.

Em seguida, Parmênides é citado sobre a teoria de o peso ser negativo e a leveza negativa: 
“Foi a questão com que se debateu Parmênides, no século VI antes de Cristo. Para ele, o universo estava dividido em pares de contrários: luz-sombra; espesso-fino; quente-frio; ser-não ser. Considerava que um dos pólos da contradição era positivo (o claro, o quente, o fino, o ser) e o outro, negativo. Esta divisão em pólos positivos e negativos pode parecer de uma facilidade pueril. Exceto num caso: o que é positivo: o peso ou a leveza? Parmênides respondia que o leve é positivo e o pesado, negativo. Tinha razão ou não? O problema é esse. Mas uma coisa é certa: a contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições.”

Ao longo da narrativa, este ponto de vista é voltado para a existência dos personagens e como eles compreendem o mundo. 

 Além dos questionamentos filosóficos, o livro expos o impacto da invasão da União Soviética sobre a Tchecoslováquia(hoje não existe mais, agora é República Checa). O romance se passa no episódio da Primavera de Praga, movimento da liberalização política da Tchecolosváquia durante a época da dominção pela União Soviética.  

A falta de liberdade, a opressão e como o kitsch¹ político manipulou gerações inteiras nas guerras na manutenção dos governos despóticos. Inclusive, como o kitsch reduz a condição humana ao piegas. 

 Bem, estes foram os pontos que achei importantes expor antes, porque explicam a existências dos personagens e os caminhos que escolheram. Os protagonistas são Tomas, Tereza, Sabina, Franz. O que fique surpreso e como o narrador discorre sobre um mesmo episódio, mas, pela perspectiva de cada personagem. Logo, uma mesma história de decompõe em vários prismas. Tomas é um médico que almeja viver livre, para isso, abandona o próprio filho, sendo renegado pela família. Mas, encontra Tereza, uma jovem insegura e romântica, completamente anacrônica para sua época. Não gosta do seu corpo, almeja encontrar sua alma e deseja que Tomas seja só dela. Já a artista Sabina, amante de Tomas, acredita que ser infiel com os homens é ser fiel consigo mesma. Pretende ser leve e livre com uma pena ao vento. Franz é um idealista e não enxerga como as coisas são e sim como deseja. É apaixonado por Sabina e ela o abandona. 

 Eles são pessoas comuns que vivem num turbilhão de acontecimentos e sensações. Vivem na contradição entre a leveza e o peso. Cada um experimenta esta sensação e paga um preço por isto. Tomas decidiu ficar com Tereza, apesar de perder tudo que conquistou. Tereza tem lidar com arrependimento de prejudicar Tomas. Sabina tornou-se tão livre, que começou a sentir a insustentável leveza do ser de não ter nenhuma raiz. Franz foi às últimas consequências de seus ideais, apesar de perceber que o mundo não era como ele pensava ser. 

Finalmente, A insustentável leveza do ser nos traz uma verdade de que como sempre estamos entre a leveza e o peso ao longo da História da humanidade. Agora, é uma intepretação minha, o romance pode ser uma reflexão de como se precisam equilibrar entre estas duas medidas para não ficar pesado de mais e nem leve em demais.


" ¹ kitsch kɪtʃ/ adjetivo de dois gêneros e dois números 1. 1. que se caracteriza pelo exagero sentimentalista, melodramático ou sensacionalista, freq. com a predileção do gosto mediano ou majoritário, e pela pretensão de, fazendo uso de estereótipos e chavões inautênticos, encarnar valores da tradição cultural (diz-se de objeto ou manifestação de teor artístico ou estético). "literatura, pintura, decoração k." 2. 2. substantivo masculino estilo artístico, tendência estética que apresenta estas características.☞ inicial maiúsc., em al. "as massas manifestam amor pelo k.""

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