O OLHO DA FECHADURA de ANGELA SCHNOOR( Editora Multifoco, 2010)
É um apanhado de contos curtos, que mostra a diversidade da vida e sua complexidade. A síntese dos textos leva os leitores a tentar decifrar o que está nas entrelinhas, possibilitando a construção de novas histórias. Diferente de alguns textos longos que fornecem tudo ao leitor, estes minicontos, ao contrário, permitem a interação. Como diz a autora: “Microcontos ou micronarrativas me parecem ser um meio de acesso à imaginação ampla. Eles servem como isca e possibilitam, a quem os lê, desenvolver toda uma história plena de detalhes, totalmente original e única a cada novo leitor.”
Estas pequenas narrativas também demonstram que os mitos estão vivos dentro da gente, independente de vivermos numa sociedade racionalista. Eles se manifestam, através de sonhos e desejos que muitas vezes nem temos consciência. Angela Schnoor nos convida a olhar por pequenas frestas, a vastidão de sentimentos que estão por trás das portas aparentemente inofensivas.
Outro ponto interessante no livro é a forma como a escritora desenvolve as histórias. Mesmo alguns temas considerados proibidos, ela os trata de forma delicada e original.
O OLHO DA FECHADURA é um livro agradável de se ler e uma ponte para outros conhecimentos que, muitas vezes, são esquecidos na correria dos dias de hoje: o verdadeiro autoconhecimento e os mitos presentes em nossas vidas.
Caixa de anzóis
Escritor inigualável, seus contos plenos de beleza enchiam de prazer quem os lia, apenas não se sabia porque escrevia ou desenhava alguns textos confusos e indecifráveis. Papéis cheios de interrogações e sinais matemáticos, escritos como em transe em qualquer hora e lugar, eram guardados por ele como preciosidades na gaveta da escrivaninha.Os amigos pensavam ser uma forma de limpar a mente, como uma meditação gráfica. Só ele sabia que, durante noites insones, era dali que vinha a inspiração para as histórias que contava. Aqueles sinais eram anzóis que pescavam toda a magia de sua alma singular.
EPITÁFIOS
Trabalhava num jornal e fazia epitáfios. Naquele dia, escreveu omesmo para duas figuras públicas que haviam falecido. As famíliasficaram bastante satisfeitas.
Aqui jaz Alfredo.
Viveu cem anos e morreu aos vinte – 1905-2005
Aqui jaz Rodrigo. Viveu cem anos e morreu aos vinte – 1985-2005 Epitáfios Trabalhava num jornal e fazia epitáfios.
ÉDEN RECONQUISTADO
Vivia em um porão pequeno e escuro, forrado de livros e muito pó. Havia, há muito, perdido a memória. Só saía quando a chuva ameaçava, pois, então, só esquilos e passarinhos habitavam o parque. Ali se sentia imenso, maior que si mesmo. Parecia que o mundo o acolhia como em um paraíso. De si, só sabia chamar-se Adão.
UMA OUTRA PENÉLOPE
Por anos, desde que ele se fora, ela bordava um longo calendário sobre sua manta de dormir. A cada ano bordado, mais um pretendente era aceito em seu leito. Quando o esposo retornou, ofereceu-se mais experiente e sexy que a própria Afrodite.
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